segunda-feira, 31 de maio de 2010

Sobre a Ontologia

Alasdair MacIntyre e Keith Campbell
Tradução de Desidério Murcho

O termo ontologia foi introduzido pelos autores escolásticos no séc. XVII. Rudolf Goclenius, que mencionou a palavra em 1636, poderá ter sido o primeiro a fazê-lo, mas o termo era de tal modo natural em latim e começou a surgir tão regularmente que as disputas sobre quem detém a prioridade da sua introdução são vãs. Alguns autores, como Abraham Calovius, usavam o termo sem o distinguir de metafísica; outros, usavam-no como nome de uma subdivisão da metafísica. Johannes Clauberg (1622-1665), um cartesiano, introduziu em seu lugar o termo ontosofia. No tempo de Jean-Baptiste Duhamel (1624-1706), a ontologia distinguia-se claramente da teologia natural. As outras subdivisões da metafísica são a cosmologia e a psicologia, das quais a ontologia também se distingue. Assim, o termo ontologia, enquanto termo técnico, já existia quando foi finalmente canonizado por Christian Wolff (1679-1754) e Alexander Gottlieb Baumgarten (1714-1762).
Wolff

Para os autores mencionados, a ontologia trata do ser enquanto ser. O termo “ser” era entendido univocamente, como se tivesse um só sentido. A ontologia pode consequentemente reivindicar ter como precursores João Duns Escoto e Guilherme de Ockham, e não Tomás de Aquino. No caso do próprio Wolff, Gottfried Wilhelm Leibniz foi mais influente do que a escolástica, mas na sua Philosophia Prima Sive Ontologia, Wolff refere explicitamente Francisco Suárez. Segundo Wolff, o método da ontologia é dedutivo. O princípio principal que se aplica a tudo o que é é o da não contradição, que sustenta que uma propriedade do próprio ser é que não pode conjuntamente ter e não ter uma dada característica ao mesmo tempo. Daqui, pensava Wolff, seguia-se o princípio da razão suficiente, nomeadamente, que em todos os casos tem de haver alguma razão suficiente para explicar por que qualquer ser existe em vez de não existir. O universo é uma colecção de seres, cada um dos quais tem uma essência que o intelecto é capaz de apreender como ideia clara e distinta. O princípio da razão suficiente é invocado para explicar por que a algumas essências foi concedida a existência e a outras não. As verdades sobre os seres são todas necessárias. Assim, a ontologia nada tem a ver com a ordem contingente do mundo.

A influência da escolástica tardia (ou o que Étienne Gilson chama “essencialismo”) na metafísica racionalista foi paga na mesma moeda, pois a divisão da metafísica em ontologia, cosmologia e psicologia reentrou nos manuais escolásticos, onde persistiu até muito recentemente. Juntamente com esta divisão, persistiu a perspectiva de que o ser constitui um tópico independente para lá dos tópicos das ciências especiais. A persistência desta perspectiva explica-se talvez por factores culturais e não intelectuais. Nos séculos XVIII e XIX a escolástica encontrava-se apenas em seminários, até o Papa Leão XIII ter reintroduzido o tomismo no debate intelectual. Só deste modo a escolástica conseguiu evitar a némesis (na forma de Immanuel Kant) que esperava a metafísica racionalista.
Kant

No anúncio escrito das lições dadas de 1765 a 1766, Kant tratava a ontologia como uma subdivisão da metafísica, incluindo esta a psicologia racional, mas distinguindo-se, neste caso, da psicologia empírica, da cosmologia e do que Kant chamava a “ciência de Deus e do mundo”: “Então, em ontologia, discuto as propriedades mais gerais das coisas, a diferença entre os seres espirituais e materiais.” Mas quando Kant escreveu a Crítica da Razão Pura, resolveu de uma vez por todas as coisas relativamente à ontologia. As duas passagens nucleares são a discussão da segunda antinomia da razão pura e a refutação do argumento ontológico. Wolff argumentara a priori que o mundo é composto de substâncias simples, que não são percepcionadas nem possuem extensão nem configuração, sendo cada uma delas diferente, sendo os objectos físicos compósitos, colecções de substâncias. Na segunda antinomia, a tese é que “toda a substância compósita no mundo consiste em partes simples, e nada existe em parte alguma que não seja ou simples ou composta de partes simples”; e a prova que Kant apresenta é efectivamente wolffiana. Mas Kant apresenta uma prova igualmente poderosa a favor da antítese, nomeadamente, que “nenhuma coisa composta do mundo consiste de partes simples, e nada existe seja onde for que seja simples.” Ao expor a falácia comum às duas provas, Kant tornou possível aceitar uma vez mais a ontologia como um corpo dedutivo de verdades necessárias aparentado à geometria, na sua configuração, mas tendo o ser como objecto de estudo. A sua análise da existência na sua refutação do Argumento Ontológico é uma contraparte a isto.

A partir de Kant, o uso mais influente do termo ontologia, para lá dos manuais de escolástica, tem sido nos escritos de Martin Heidegger e W. V. Quine. Ambos foram saudados pelos autores escolásticos por se entregarem essencialmente à mesma tarefa que eles, adoptando o Padre D. A. Drennen esta perspectiva de Heidegger, fazendo o Padre Bochenski o mesmo no que respeita a Quine.
Heidegger

Com respeito à ontologia de Heidegger, o Padre Drennen tem talvez parcialmente razão. Heidegger queria explicar que carácter tem o ser de ter para que a consciência humana seja o que é. Começa por ter uma rixa com o princípio da razão suficiente na forma que assumiu em Leibniz e Wolff. Isto, afirma, é um ponto de partida inadequado para a ontologia porque a pergunta “Por que há algo em vez de nada?” pressupõe que já sabemos o que são o ser e o nada. Heidegger tratava o “Ser” e o “Nada” como nomes de poderes contrastantes e opostos cuja existência está pressuposta em todos os nossos juízos. Nos juízos negativos, por exemplo, falar do que não se verifica é referir implicitamente o Nada. A ontologia de Heidegger, contudo, não tinha configuração dedutiva nem sequer sistemática. Procede por vezes por meio da exegese da poesia ou dos fragmentos mais aforísticos dos filósofos pré-socráticos, sendo assim muito diferente da ontologia escolástica.
Quine

No caso de Quine, o nome ontologia tem de facto sido dado a um conjunto bastante diferente de preocupações. Quine preocupou-se com duas perguntas intimamente relacionadas: A crença numa dada teoria compromete-nos com a existência de que tipo de coisa? E quais são as relações entre a lógica intensional e extensional? A sua resposta à primeira pergunta é que ser é ser o valor de uma variável: temos de admitir a existência daquela gama de entidades possíveis cujos nomes podem ocorrer como valores daquelas variáveis sem as quais não podemos formular as nossas crenças. A sua resposta à segunda pergunta é que as lógicas intensionais e extensionais envolvem a admissão não apenas de tipos diferentes de entidade, mas também de tipos incompatíveis de entidade. “Os dois tipos de entidade só podem ser acomodados na mesma lógica com o género de restrições de Church, que servem para não os misturar, e isto é quase uma questão de ter duas lógicas separadas com um universo para cada” (From a Logical Point of View, p. 157).

É claro que as preocupações de Quine são de facto relevantes para Wolff e para os escolásticos apenas no sentido em que uma compreensão das investigações de Quine nos impediriam de tentar construir uma ontologia dedutiva à maneira de Suárez ou Wolff.
Problemas da ontologia

A ontologia é a ciência ou estudo mais geral do Ser, Existência ou Realidade. Um uso informal do termo significa o que, em termos gerais, um filósofo considera que o mundo contém. Assim, diz-se que Descartes propôs uma ontologia dualista, ou que não há deuses na ontologia de d’Holdbach. Mas no seu significado mais formal, a ontologia é o aspecto da metafísica que visa caracterizar a Realidade identificando todas as suas categorias essenciais e estabelecendo as relações que mantém entre si.
Ser enquanto ser

A existência, a mais compreensiva categoria de todas, deve abranger membros que têm o mínimo em comum. Contudo, a filosofia ocidental procura há muito um conteúdo substancial comum que esteja presente em seja o que for unicamente em virtude de existir. A história destas tentativas para identificar o carácter comum do ser enquanto ser não é encorajante.

No Sofista, o Estrangeiro Eleata de Platão propõe que um papel na rede causal do mundo é uma condição necessária e suficiente da existência, que “o Poder é a marca do Ser.” Esta ideia tem tido alguma circulação no séc. XX, particularmente no trabalho de David Lewis (1986) e D. M. Armstrong (1978, 1989, 1997). Este princípio eleático é um teste atraente da realidade no mundo natural, pois seja o que for que for real na natureza deve ser capaz de fazer qualquer diferença. Pode ser necessário enfraquecer a exigência, admitindo um espaço-tempo passivo que forneça a arena na qual actuam os seres activos. Mesmo assim, o princípio eleático parece que é na melhor das hipóteses um aspecto contingente do mundo porque não parece haver qualquer impossibilidade envolvida na ideia de um ser completamente inerte. E é também uma petição de princípio contra entidades abstractas como os números, ou pontos geométricos, ou conjuntos, que, se existirem, estão fora do nexo causal.

Para Samuel Alexander (1920), ser é ser o ocupante exclusivo de um volume de espaço-tempo. Isto elimina não apenas entidades abstractas, mas até uma teoria dos campos do mundo natural, pois os campos de forças ocupam regiões do espaço-tempo mas não se excluem entre si.

J. M. E. McTaggart (1921-1927) argumentou que a marca do ser é estar numa correspondência de determinação com todas as suas partes infinitas. Uma correspondência de determinação assegura que de uma descrição suficiente de algo se pode derivar uma descrição suficiente de qualquer das suas partes. Esta exigência acarreta que o espaço, o mundo natural, e a maior parte dos conteúdos das mentes, são irreais. Desta consequência a conclusão a retirar é que a marca do ser proposta por McTaggart é excessivamente exigente.

O problema de um conteúdo substancial para o ser enquanto ser reflecte-se no comportamento idiossincrático do verbo “existir.” Considere-se negativas singulares: “Aristóteles não fala espanhol” é verdadeira porque o predicado “não fala espanhol” se aplica ao item referido pelo termo sujeito. Mas “Pégaso não existe” não pode ser verdadeiro em virtude de o predicado se aplicar ao item referido pelo termo sujeito. Se o termo sujeito refere seja o que for, esse item existe, o que tornaria toda a frase falsa.

Ficou famosa a declaração de Kant de que a existência não é uma propriedade, e esta perspectiva tornou-se amplamente aceite. A lógica moderna que descende de Gottlob Frege e de Principia Mathematica (1910-1913) de Alfred North Whitehead e Bertrand Russell substitui todas as expressões “existe” por “há.” Assim, “Os leões existem” torna-se “Há leões,” ao passo que “Os dragões não existem” se torna “Não há dragões.”

Em termos técnicos, este processo substitui qualquer afirmação de existência por uma afirmação que usa um quantificador que abrange um domínio (o mundo), de modo que existir se torna uma questão não de possuir uma propriedade especial, a existência, mas de possuir alguma outra propriedade corriqueira. A determinação de reformular todas as afirmações de existência ou inexistência com “Há…” e “Não há…” é expressa pelo dictum de W. V. Quine: “Ser é ser o valor de uma variável.”

Se a existência não é uma propriedade, não pode ser uma perfeição. Isto anula aquelas versões do argumento ontológico a favor da existência de Deus que dependem de a existência ser uma das perfeições. Uma resposta recente consistiu em argumentar que, mesmo não sendo a existência uma propriedade, a existência necessária é-o (Plantinga, 1974, 1975; van Inwagen 1993).
Realidade e efectividade

É a existência tudo o que há, ou devemos reconhecer categorias ainda mais vastas do que a do Ser? Em Platão, e mesmo antes, encontra-se uma distinção entre Realidade (O que é) e a Aparência (O que não é nada, e no entanto apenas parece Ser). Aristóteles distingue o existente completo (Ser), do que está ainda em formação (Tornar-se). Estas distinções vêem-se talvez melhor como uma maneira de advogar que há diferentes graus de realidade no seio da categoria do Ser.

Aristóteles distinguia também o completamente Real (Acto) do que pode ser (Potência). Esta distinção antecipa uma corrente forte em ontologia que reconhece mundos possíveis para lá do mundo efectivo, aquele que habitamos. Nos neoplatónicos, e mais tarde em Alexius Meinong, ao domínio do existente soma-se o do subsistente, que abrange o que não existe apesar de poder ter existido, como acontece com as montanhas douradas.

Uma ontologia completa deste género, na qual o domínio da Essência é mais lato do que o da Existência, foi apresentada por James K. Feibleman em 1951. No trabalho de Richard Sylvan (1980), isto alarga-se ainda mais. No seu sistema, as variáveis individuais abrangem não apenas o efectivo e o possível, mas também o impossível.

Mundos possíveis. Gottfried Wilhelm Leibniz foi o primeiro a fazer um uso sistemático da ideia de que se pode considerar que todas as possibilidades formam mundos — cada um dos quais é um domínio internamente consistente que pode combinar alguns elementos iguais aos do mundo efectivo e outros diferentes. O mundo efectivo é um dos mundos possíveis, distinguindo-se de todos os outros pelo facto de que nenhum dos seus elementos é meramente possível. Se podermos referir-nos a mundos possíveis, é fácil definir seres necessários, que de outro modo são tão difíceis de caracterizar, como aqueles seres que estão em todos os mundos possíveis (ver mais à frente).

Realismo modal. Os mundos possíveis põem à nossa disposição explicações de poderes causais, de condicionais contrafactuais, de disposições inexercidas e de propriedades reais ininstanciadas. Estas vantagens levaram David Lewis (1986) a abraçar o realismo modal, que afirma a realidade literal de todos os mundos possíveis.

Outros filósofos, apesar de valorizarem estas vantagens, recuam perante a expansão aparentemente infinita da ontologia que isto exige, o que conduziu a explicações em termos de sucedâneos de mundos possíveis: Rudolf Carnap, entre outros, propôs que um mundo possível é um conjunto maximamente consistente de frases. Armstrong, entre outros, desenvolveu a ideia de Wittgenstein de que um mundo possível é uma recombinação inefectiva dos elementos deste mundo. Peter Lopston (2001) defende um realismo redutivo, que expande o tipo de propriedade atribuída no mundo efectivo de modo a incluir características que poderia-ter-tido. O sucesso destas abordagens é tema actual de controvérsia.

Pluralidade de mundos na teoria quântica. A noção de que o mundo em que vivemos não é o único foi também recentemente esboçada na interpretação de alguns paradoxos da física quântica, que de outro modo são desconcertantes. Nestas explicações, o mundo não é uma entidade única e unificada, mas antes algo sujeito a bifurcações contínuas, um processo que gera um número cada vez maior de mundos. As perspectivas deste género que defendem a pluralidade de mundos são diferentes, numa acepção importante, do realismo modal: todos estes mundos quânticos são supostamente efectivos, mas mutuamente inacessíveis.
As categorias do ser

A principal tarefa da ontologia é fornecer um inventário das categorias, as divisões mais gerais da Realidade. As mais importantes são as seguintes:

Substâncias. Uma substância individual ou particular é um objecto, uma coisa por direito próprio. As coisas comuns do quotidiano, como tijolos e camas, fornecem um modelo para a categoria da substância. Exige-se que as substâncias tenham várias características básicas, apesar de não ser claro que estas características sejam compatíveis entre si.

Particularidade e individualidade. Uma substância é simultaneamente um particular e um indivíduo; não é apenas um pato qualquer, mas precisamente este pato. Um objecto é da categoria que é (um pato) em virtude das suas propriedades. Mas se estas propriedades são universais, partilhadas por muitos particulares, não podem por si conferir particularidade. Alguns filósofos, o mais influente dos quais foi Locke, propuseram um constituinte das substâncias que desempenhariam este papel, um substrato que conferiria particularidade e individualidade. Um substrato seria um particular bruto, um item inerentemente particular e individual, mas sem qualquer outra característica. É difícil ver como esses particulares brutos poderiam distinguir-se entre si, mas se os particulares brutos são todos exactamente parecidos entre si, como poderia qualquer um deles individualizar a sua própria substância? Mais em geral, os particulares brutos entram em conflito com o dictum de Aristóteles de que o mínimo de ser, a menor coisa que pode ser, é um “isto-tal”, um particular que tem uma propriedade.

Outra proposta é que se individua as substâncias pela sua localização. As localizações — pontos de espaço-tempo e regiões — são em si particulares únicos; se puderem ter particularidade primitiva, isso levanta a questão de saber por que razão os outros particulares requerem um substrato ou outro particularizador. Há também outras dificuldades com a localização: a localização não individua campos de forças ou outras entidades físicas que não monopolizam o seu espaço. Não funciona também para quaisquer itens de tipo imaterial.

Ou a individualidade — e portanto a particularidade — é primitiva, ou há particulares brutos, ou cada substância tem uma propriedade especial, chamada ecceidade ou istidade, que pode conceder particularidade e individualidade ao seu portador. Para uma discussão deste problema veja-se o capítulo quinze de From an Ontological Point of View, de John Heil (2003).

Indivisibilidade. As substâncias têm de ser distintas dos compostos, de modo que uma substância única tem de ser indivisível, no sentido de não ter partes que sejam elas mesmas substâncias. Isto elimina as coisas comuns, que não podem ser substâncias. Esta exigência de simplicidade é muito enfatizada na doutrina de Tomás de Aquino sobre Deus. Leva em Leibniz à monadologia e em Roger Joseph Boscovich à doutrina dos pontos materiais.

Persistência. As substâncias distinguem-se das suas propriedades porque têm a capacidade de persistir, isto é, retêm a sua identidade passando por pelo menos algumas mudanças. Um carro dos bombeiros pode mudar de cor, e no entanto continuar a ser o carro dos bombeiros que sempre foi. As substâncias compostas comuns da vida quotidiana têm alguma persistência, mas não podem sobreviver a todas as mudanças. Um carro dos bombeiros desmontado e reduzido a sucata já não é um carro dos bombeiros. A persistência completa pertence apenas às substâncias fundamentais.

Independência. Qualquer substância poderia ser a única coisa em existência. Se esta independência for interpretada causalmente, nenhum objecto comum é uma substância, pois todos são postos em existência, e por isso a sua existência depende das suas causas. O espaço-tempo e os seus campos poderiam considerar-se substâncias, mas mesmo estes dependem, nos sistemas teístas, da actividade criadora de Deus. Assim, no tomismo, Deus é a substância por excelência, mas o mundo natural inclui substâncias criadas, que dependem de Deus mas que, noutros aspectos, existem por si. Espinosa, insistindo na independência absoluta, concluiu que só pode haver uma substância, a totalidade omniabrangente, Deus-ou-Natureza.

Se tomarmos a independência das substâncias num sentido lógico e não causal, uma substância é seja o que for que, em princípio, pode subsistir sozinha. Esta era a exigência de David Hume, e seja o que for que lhe obedecer é uma substância humiana. Para compostos, a exigência é que a coisa, incluindo todas as suas partes, poderia existir sozinha. Esta exigência é muito menos rigorosa do que a independência causal e não exige persistência.

Teorias da ausência de substância. Tem-se tentado eliminar as substâncias. Russell propôs que um objecto concreto comum não é mais do que um feixe de todas as suas propriedades. Mas há sempre a questão de saber o que agrega o feixe. Além disso, dado que as propriedades são universais, esta teoria acarreta que nenhumas duas coisas podem ter uma parecença exacta.

Na versão de Donald Williams da teoria dos feixes (1966), as propriedades são instâncias particulares ou tropos (ver mais à frente). Isto evita o problema da possibilidade de haver dois objectos com uma parecença exacta, mas exige que todos os membros do feixe estejam “co-presentes” — exige que estejam todos no mesmo lugar do espaço-tempo. Há dificuldades em tratar uma localização no espaço-tempo como se fosse apenas mais um tropo no feixe, mas se lhe for dado um tratamento especial torna-se um substrato substancializante.

Russell defendeu também uma ontologia de eventos como uma perspectiva de ausência de substância. Russell usava “evento” para a ocorrência de uma propriedade num dado lugar e num dado momento do tempo; tais eventos não são aconteceres, mas antes estados de coisas (veja-se mais à frente). Propôs que as substâncias comuns, e as suas partes mais fundamentais, são sequências de agregados de tais eventos.

Os elementos básicos nestas ontologias podem não ser simples nem indivisíveis, e não têm persistência. Contudo, estes estados de coisas ou eventos são substâncias humianas. Na verdade, a menos que não exista coisa alguma, algo tem de ser uma substância humiana e, nesse sentido, qualquer teoria da ausência de substância tem de estar errada.

Propriedades e relações. As propriedades são as características intrínsecas das coisas, que lhes pertencem quando as consideramos individualmente. As relações, envolvendo dois ou mais termos, são os modos sob os quais as coisas estão perante outras. Em muitos aspectos, as propriedades e as relações podem ser tratadas conjuntamente.

Propriedades como universais. As propriedades são habitualmente concebidas como universais que podem caracterizar um número infinito de instâncias. Só há uma Torre Eiffel, mas a altura da torre, o peso e a constituição de ferro são características que tem em comum com muitas outras coisas. O Problema dos Universais é o problema de explicar como poderia uma qualquer entidade real existir, total e completamente, em muitas instâncias diferentes. Este problema atraiu três propostas de solução: nominalismo, conceptualismo e realismo. O nominalismo e o conceptualismo negam, ambos, que as propriedades sejam genuinamente universais. Segundo o nominalismo, o único elemento comum a todas as coisas de ferro é poderem todas ser descritas usando o predicado “de ferro,” ou serem todas membros da classe das coisas de ferro, ou serem todas parecidas a alguns objectos de ferro típicos. Segundo o conceptualismo, o elemento universal consiste num impulso das nossas mentes para agrupar várias coisas. Estas teorias reducionistas têm tido partidários desde o tempo de Platão e foram especialmente prevalecentes entre os empiristas britânicos e os seus descendentes. O nominalismo e o conceptualismo foram explicitamente postos em causa por Russell nos Problemas da Filosofia (1912). A argumentação mais exaustiva contra tais perspectivas foi apresentada por D. M. Armstrong, Universals and Scientific Realism (1978).

O realismo com respeito aos universais é pelo menos tão velho quanto Platão. A sua teoria das Formas apresenta um realismo consumado que atribui às propriedades genuínas quer existência real, num domínio próprio, quer um estatuto superior a quaisquer instanciações que delas possam existir neste mundo. As Formas existem ante rem — isto é, estejam ou não instanciadas. Considera-se tradicionalmente que Aristóteles sustenta um realismo modificado, segundo o qual as propriedades são reais, e universais, mas só podem existir in rebus, enquanto propriedades de instâncias concretas. Encontra-se aqui uma vez mais a sua perspectiva de que o mínimo “susceptível de ser” é um isto-tal, uma união de um particular com um universal.

O realismo encontrou sempre duas objecções principais. Primeiro, que não é económico, especialmente na sua forma platonista. A questão da economia é um tema actual na filosofia da ciência, dado que pelo menos aparentemente as nossas melhores teorias físicas e químicas envolvem propriedades não instanciadas. A segunda objecção é que não consegue fornecer uma explicação coerente da ligação entre uma propriedade e a substância que é sua portadora, sendo esta a relação de inerência. A inerência não pode ser uma relação normal, porque nesse caso é apenas mais um universal que precisa de uma ligação de inerência entre os seus termos, a substância e a propriedade original. Mas se isto não é uma relação no sentido comum, é o quê? O problema da inerência dá sustentação a versões do realismo nas quais as propriedades são particulares.

Propriedades como particulares. Mesmo que a propriedade de ferro seja universal, o caso particular de ser de ferro que ocorre na Torre Eiffel pertence apenas à torre e é tão particular quanto a própria torre. A teoria dos tropos, tal como foi pela primeira vez desenvolvida por Donald Williams, trata a instância não como uma entidade dependente que emerge da instanciação de um universal, mas como uma substância humiana de pleno direito.

Quando se combina esta abordagem com uma explicação das substâncias comuns com muitas características em termos de feixes ou co-presença, o problema da relação de inerência desaparece. Há também outra economia significativa, pois não é preciso ter uma categoria separada para substâncias. Estas possibilidades são exploradas no livro Abstract Particulars, de Keith Campbell (1990).

Relações. Quando Russell reanimou o debate sobre o realismo deu às relações um estatuto inteiramente igual ao das propriedades inerentes. Na verdade, foram as suas reflexões sobre o papel das relações nos fundamentos da matemática e da lógica que o conduziram ao realismo. O realismo de Armstrong assume a mesma forma.

Há, contudo, uma longa tradição que atribui primazia às propriedades intrínsecas. Aristóteles sustentava que as relações são “a menor das coisas que são”; Hobbes, entre outros, sustentava que a existência de relações depende de um acto mental de comparação; e a perspectiva de Leibniz era que toda a relação se fundamenta numa característica intrínseca de um dos seus termos, ou de ambos. Este programa reducionista é exposto em Campbell (1990).

As relações são aparentemente dependentes, no sentido em que têm de ter substâncias como termos, e estas substâncias têm de ter propriedades intrínsecas. Assim, a menos que existam propriedades intrínsecas não poderá haver relações, mas não vice-versa. As teorias dos feixes, aplicadas a coisas comuns, dizem respeito apenas às propriedades intrínsecas. Incluir relações nos feixes conduz a problemas quanto ao lugar a dar às relações, o que por sua vez induz uma tendência a favor de um monismo como o de Francis Herbert Bradley, no qual as substâncias comuns são absorvidas numa totalidade única omniabrangente.

Poderes. Algumas propriedades, como quadrado, parecem pertencer ao modo de ser do objecto. Outras, como ser um solvente, parecem referir ao que um objecto pode fazer. Esta é a distinção entre propriedades categoriais e disposicionais. Uma linha de investigação retoma o princípio eleático e identifica as propriedades reais com as que conferem ao seu portador uma disposição para agir ou para ser objecto de actuação. Tais disposições são poderes; uma metafísica dos poderes é avançada no livro Powers, de George Molnar (2003) e em Scientific Essentialism, de Brian Ellis (2001).

Complexos. Substância e propriedade são categorias básicas. Em combinação, podem fornecer uma ontologia mais rica.

Estados de coisas. Um estado de coisas básico consiste num particular que tem uma propriedade, ou em duas (ou mais) particulares que estão numa dada relação. Uma propriedade única que inere num só particular é um mínimo “isto-tal.” O Tractatus Logico-Philosophicus (1921) de Wittgenstein apresentou uma ontologia na qual o mundo é composto de estados de coisas relacionais mínimos: os que efectivamente ocorrem são factos, restando além destes os meramente possíveis. Estes temas — que as categorias básicas só ocorrem em combinação, e que estas combinações constituem a realidade — são retomadas por D. M. Armstrong, no livro A World of States of Affairs (1997).

Eventos e processos.Um estado de coisas é estático. Dar conta dos aspectos dinâmicos do mundo exige uma explicação da mudança. Isto pode fazer-se usando sequências de estados de coisas: a estabilidade consiste em estados de coisas sucessivos muitíssimo parecidos entre si, ao passo que a mudança consiste em estados de coisas que a dada altura são substituídos por outros sistematicamente diferentes. Um evento é uma mudança singular, envolvendo um par de estados de coisas; um processo é uma série mais complexa de eventos.

Whitehead, em Process and Reality (1929), deu prioridade ao dinamismo; todas as substâncias que persistem aparentemente são efectivamente processos que se dão muito lentamente. O estatuto do espaço-tempo é controverso. Pode ser uma substância humiana; contudo, algumas explicações da matéria atribuem-lhe um lugar enquanto processo, uma sequência de relações mutáveis complexas entre particulares.
Objectos abstractos

O pensamento humano, especialmente na matemática e na lógica, parece envolver entidades que não têm aparentemente lugar no mundo espácio-temporal. Admitir tais itens é um desafio ao princípio da economia; contudo, é difícil conseguir reduções bem-sucedidas.

Números e conjuntos. Porque se pode representar todos os números na teoria de conjuntos, não é preciso admitir conjunto e números. Russell propôs-se eliminar os conjuntos a favor de funções proposicionais, mas isto revelou-se impossível de aplicar a mais do que um fragmento da matemática (Goodman e Quine 1947, Quine 1969). Porque as variáveis da teoria de conjuntos têm conjuntos como valores, e porque ser é ser o valor de uma variável, estamos comprometidos com a sua realidade — e isto é platonismo quanto a conjuntos e números. O tentativa mais importante de evitar o platonismo é o de Hartry Field (1980, 1989).

Objectos geométricos. Diferentemente de seja o que for que ocorra no mundo natural, os objectos da geometria — cubos euclidianos, por exemplo — são concebidos como perfeitos, imutáveis, intemporais e sem poderes físicos causais. Além disso, há geometrias, e objectos geométricos correspondentes, com muitas mais dimensões do que as que este mundo tem. Um espaço geométrico pode dividir-se e subdividir-se numa infinidade de configurações de diferentes dimensões. O platonismo na geometria envolve assim uma expansão infinita na ontologia.

Uma abordagem a esta questão é considerar que os objectos geométricos são abstraídos, isto é, tirados do seu contexto. Deste ponto de vista, todo o cubo é apenas um fragmento espacial particular de espaço-tempo e todo o triângulo é um fragmento de uma das superfícies espaciais do espaço-tempo. Um problema desta abordagem é que nem todas as formas estarão disponíveis. Se o nosso espaço-tempo está longe de ser perfeitamente euclidiano, não haverá cubos reais euclidianos. Podemos tratar estes objectos inexistentes como variações imaginárias das que efectivamente existem, e considerar que as geometrias que quantificam sobre tais coisas não são literalmente verdadeiras.

Lógica. A filosofia da lógica faz referência a proposições, operadores, funções e inferências. Estas são entidades abstractas, que se relacionam com o raciocínio aproximadamente do mesmo modo que os números se relacionam com a contagem e a medição. Os problemas e possibilidades de sucesso de um tratamento reducionista destas entidades são igualmente paralelos.
Seres necessários

Considera-se habitualmente que as coisas comuns existem contingentemente; isto é, existem, mas poderiam não existir. Tivessem as leis da natureza do nosso mundo sido diferentes, ou as condições iniciais, e haveria um grupo diferente de seres contingentes. Mas algumas coisas parecem imunes aos caprichos causais e do acaso; situando-se fora da rede causal, não podem ser trazidos à existência e não podem ser destruídos. São “seres necessários.” Se o platonismo estiver correcto com respeito a quaisquer objectos abstractos, haverá seres necessários e até, paradoxalmente, a classe vazia.

Para Aristóteles, seja o que for que exista ao longo de um tempo infinito é necessário porque ele defendia que ao longo de um tempo infinito todas as possibilidades acabariam por se efectivar. Para Plotino, qualquer ser divino estaria fora do tempo, e como tal não poderia mudar, não poderia deixar de existir e consequentemente seria um ser necessário. Para Tomás de Aquino, a necessidade de Deus deriva da sua simplicidade: a essência de Deus e a sua existência são idênticas; deste modo, Deus é um tipo de ser que tem de existir. Para Espinosa, toda a substância genuína é causa sui, contendo em si a explicação suficiente do seu próprio ser, e portanto pode garantir a sua própria existência sob todas as condições possíveis.

Duns Escoto, e depois Descartes, ligou o ser necessário à lógica: um ser necessário é aquele cuja inexistência seria auto-contraditória. “Os feijões reais não existem” é auto-contraditória mas apenas trivialmente porque a existência foi inserida na definição do sujeito. Isto não faz dos feijões feijões necessários. Se a existência não for inserida na definição do termo sujeito, é duvidoso que qualquer negação de existência seja auto-contraditória. A melhor discussão da noção de ser necessário é a de Alvin Plantinga (1974, 1975).

Alasdair MacIntyre e Keith Campbell
Bibliografia histórica
Fontes primárias

* Baumgarten, Alexander Gottlieb. Metaphysica. Halle, 1740.
* Clauberg, Johannes. Opera Omnia, edited by J. T. Schalbruch. 2 vols., 281. Amsterdam, 1691.
* Duhamel, Jean-Baptiste. De Consensu Veteris et Novae Philosophiae. Paris, 1663.
* Duns Scotus, John. Opera Omnia. 12 vols. Paris, 1891-1895. Vol. III, Quaestiones Subtillissimae Super Libros Metaphysicorum Aristotelis.
* Heidegger, Martin. Being and Time. Trad. John Macquarrie e Edward Robinson. New York: Harper, 1962.
* Heidegger, Martin. Existence and Being. Trad. D. Scott, R. Hall, e A. Crick. Chicago: Regnery, 1949.
* Kant, Immanuel. Critique of Pure Reason. Trad. Norman Kemp Smith. London: Macmillan, 1929.
* Quine,Willard Van Orman. From a Logical Point of View. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1953.
* Wolff, Christian. Philosophia Prima Sive Ontologia. Frankfurt and Leipzig, 1729.
* Wolff, Christian. Philosophia Rationalis, Sive Logica Methodo Scientifica Pertractata et ad Usum Scientiarum Atque Vitae Aptata. Frankfurt and Leipzig, 1728.

Fontes secundárias

* Bochenski, I. M. Philosophy—An Introduction. Dordrecht, Netherlands, 1962.
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Retirado de Encyclopedia of Philosophy, org. Donald M. Borchert (Macmillan Reference, 2006)

Aos iniciantes em Filosofia que se interessem por: "O que é metafísica"

Metafísica, ramo da filosofia que trata da natureza da realidade última. Está dividida em:
ontologia, que trata dos inúmeros tipos fundamentais de entidades que compõem o universo,
e a metafísica propriamente dita, que se preocupa com a apreensão dos traços mais gerais da realidade.

Esta última pode atingir um alto grau de abstração. A ontologia, ao contrário, está mais relacionada com o plano físico da experiência humana...
*

A metafísica é o saber acerca do "diáfano" das coisas.
*

A metafísica é o saber acerca do "transcendental" das coisas.
*

A metafísica é o saber acerca do "primário" das coisas.
*

A metafísica é o saber acerca do "metafísico" das coisas.

http://www.zubiri.org/outlines_syllabi/metaphysics98.htm
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... outros pressupostos da metafísica leibniziana:

*

a irreversibilidade do tempo,
*

a infinita divisibilidade da matéria
*

e a impossibilidade de a alma se desfazer inteiramente de suas percepções passadas, adequam-se melhor ao modelo de um progresso infinito de todas as substâncias e do mundo como um todo.

... embora através de períodos muitas vezes longos e de regressos. (De

affectibus, 1679) (Ver: A busca da perfeição, Reencarnação e Evolução da matéria)

É uma verdade certa que cada substância deve alcançar toda a perfeição de que é capaz, e que se encontra já nela como envolvida. … É por isso que elas avançam e amadurecem perpetuamente, como o próprio mundo de que são as imagens; pois, como não há nada fora do universo que possa impedi-lo, é preciso que o universo avance continuamente e se desenvolva. (carta a Sofia, 4 nov 1696).



http://calvados.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/doispontos/article/viewFile/1953/1622
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O que é Metafísica?

Richard Taylor

É costume dizer-se que cada um tem sua Filosofia e até que todos os homens têm opiniões metafísicas. Nada poderia ser mais tolo. É verdade que todos os homens têm opiniões, e que algumas delas - tais como as opiniões sobre religião, moral e o significado da vida - confinam com a Filosofia e a Metafísica, mas raros são os homens que possuem qualquer concepção de Filosofia e ainda menos os que têm qualquer noção de Metafísica.

William James definiu algures a Metafísica como "apenas um esforço extraordinariamente obstinado para pensar com clareza". Não são muitas as pessoas que assim pensam, exceto quando seus interesses práticos estão envolvidos. Não têm necessidade de assim pensar e, daí, não sentem qualquer propensão para o fazer. Excetuando algumas raras almas meditativas, os homens percorrem a vida aceitando como axiomas, simplesmente, aquelas questões da existência, propósito e significado que aos metafísicos parecem sumamente intrigantes. O que sobretudo exige a atenção de todas as criaturas, e de todos os homens, é a necessidade de sobreviver e, uma vez que isso fique razoavelmente assegurado, a necessidade de existir com toda a segurança possível. Todo pensamento começa aí, e a sua maior parte cessa aí. Sentimo-nos mais à vontade para pensar como fazer isto ou aquilo. Por isso a engenharia, a política e a indústria são muito naturais aos homens. Mas a Metafísica não se interessa, de modo algum, pelos "comos" da vida e sim apenas pelos "porquês", pelas questões que é perfeitamente fácil jamais formular durante uma vida inteira.

Pensar metafisicamente é pensar, sem arbitrariedade nem dogmatismo, nos mais básicos problemas da existência. Os problemas são básicos no sentido de que são fundamentais, de que muita coisa depende deles. A religião, por exemplo, não é Metafísica; e, entretanto, se a teoria metafísica do materialismo fosse verdadeira, e assim fosse um fato que os homens não têm alma, então grande parte da religião soçobraria diante desse fato. Também a Filosofia Moral não é Metafísica e, entretanto, se a teoria metafísica do determinismo, ou se a teoria do fatalismo fossem verdadeiras, então muitos dos nossos pressupostos tradicionais seriam refutados por essas verdades. Similarmente, a Lógica não é Metafísica e, entretanto, se se apurasse que, em virtude da natureza do tempo, algumas asserções não são verdadeiras nem falsas, isso acarretaria sérias implicações para a Lógica tradicional.

Isto sugere, contrariamente ao que em geral se supõe, que a Metafísica vê um alicerce da Filosofia e não o seu coroamento. Se for longamente exercido. o pensamento filosófico tende a resolver-se em problemas metafísicos básicos. Por isso o pensamento metafísico é difícil. Com efeito, seria provavelmente válido afirmar que o fruto do pensamento metafísico não é o conhecimento, mas o entendimento. As interrogações metafísicas têm respostas e, entre as várias respostas concorrentes, nem todas poderão ser verdadeiras, por certo. Se um homem enuncia uma teoria de materialismo e um outro a nega, então um desses homens está errado; e o mesmo acontece a todas as outras teorias metafísicas. Contudo, só muito raramente é possível provar e conhecer qual das teorias é a verdadeira. 0 entendimento, porém - e, por vezes, uma profundidade muito considerável do mesmo resulta de vermos as persistentes dificuldades em opiniões que freqüentemente parecem, em outras bases, ser muito obviamente verdadeiras. É por essa razão que um homem pode ser um sábio metafísico sem que, não obstante, sustente suas opiniões e juízos em conceitos metafísicos. Tal homem pode ver tudo o que um dogmático metafísico vê, e pode entender todas as razões para afirmar o que outro homem afirma com tamanha confiança. Mas, ao invés do outro, também vê algumas razões para duvidar e, assim, ele é, como Sócrates, o mais sábio, mesmo em sua profissão de ignorância. Advirta-se o leitor, neste particular, de que quando ouvir um filósofo proclamar qualquer opinião metafísica com grande confiança, ou o ouvir afirmar que determinada coisa, em Metafísica, é óbvia, ou que algum problema metafísico gravita apenas em torno de confusões de conceitos ou de significados de palavras, então poderá estar inteiramente certo de que esse homem está infinitamente distante do entendimento filosófico. Suas opiniões parecem isentas de dificuldades apenas porque ele se recusa obstinadamente a ver dificuldades.

Um problema metafísico é indispensável dos seus dados, pois são estes que, em primeiro lugar, dão origem ao problema. Ora o datum, ou dado, significa literalmente algo que nos é oferecido, posto à nossa disposição. Assim, tomamos como dado de um problema certas convicções elementares do senso comum que todos ou a maioria dos homens estão aptos a sustentar com alguma persuasão íntima, antes da reflexão filosófica, e teriam relutância em abandonar. Não são teorias filosóficas. pois estas são o produto da reflexão filosófica e, usualmente, resultam da tentativa de conciliar certos dados entre si. São, pelo contrário, pontos de partida para teorias, as coisas por onde se começa, visto que, para que se consiga alguma coisa, devemos começar por alguma coisa, e não se pode gastar o tempo todo apenas começando. Observou Aristóteles: "Procurar a prova de assuntos que já possuem evidência mais clara do que qualquer prova pode fornecer é confundir o melhor com o pior, o plausível com o implausível e o básico com o derivativo," (Física, Livro VIII, Cap. 3 ) . Exemplos de dados metafísicos são as crenças que todos os homens possuem, independentemente da Filosofia, de que existem, de que tem um corpo, de que lhes cabe algumas vezes uma opção entre cursos alternativos de ação, de que por vezes deliberam sobre tais cursos, de que envelhecem e morrerão algum dia etc. Um problema metafísico surge quando se verifica que tais dados não parecem concordar entre si, que têm. aparentemente, implicações que não se revestem de coerência entre si. A tarefa, então, é encontrar alguma teoria adequada à remoção desses conflitos.

Talvez convenha observar que os dados, como os considero, não são coisas necessariamente verdadeiras nem evidentes em si mesmas. De fato, se o conflito entre certas convicções do senso comum não for tão-só aparente, mas real, então algumas dessas convicções estão fadadas a ser falsas, embora possam, não obstante, ser tidas na conta de dados até que sua falsidade se descubra. É isso o que torna excitante, por vezes, a Metafísica; nomeadamente o fato de sermos coagidos, algumas vezes, a abandonar certas opiniões que sempre havíamos considerado óbvias. Contudo, a Metafísica tem de começar por alguma coisa e, como não pode começar, obviamente, pelas coisas que já estão provadas, deve começar pelas coisas em que as pessoas acreditam; e a confiança com que uma pessoa sustenta suas teorias metafísicas não pode ser maior do que a confiança que deposita nos dados em que aquelas repousam.

Ora, o intelecto do homem não é tão forte quanto a sua vontade, e os homens, geralmente, acreditam no que querem acreditar, particularmente quando essas crenças refletem o mérito próprio entre os homens e o valor de seus esforços. A sabedoria não é, pois, o que os homens buscam em primeiro lugar. Procuram, outrossim, uma justificação para aquilo em que crêem seja o que for. Não surpreende, portanto, que os principiantes em Filosofia, e mesmo os que já não são principiantes, tenham uma acentuada inclinação para se apegarem a alguma teoria que os atrai, em face de dados conflitantes, e neguem por vezes a veracidade dos dados, apenas por aquela razão. Tal atitude dificilmente se pode considerar propícia à sabedoria. Assim, não é incomum encontrarmos pessoas que, dizem elas, querem ardentemente acreditar na teoria do determinismo e que, partindo desse desejo, negam, simplesmente, a verdade de quaisquer dados que com ela colidam. Os dados, por outras palavras, são meramente ajustados à teoria, em vez da teoria aos dados. Mas deve-se insistir ainda que é pelos dados, c não pela teoria, que se terá de começar; pois se não partirmos de pressupostos razoavelmente plausíveis, onde irmos obter a teoria, diferente de se esposar apenas aquilo que os nossos corações desejam'? Mais cedo ou mais tarde poderemos ter de abandonar alguns dos dados do nosso senso comum, mas, ao fazê-lo, será em consideração a certas outras crenças do senso comum que relutamos ainda mais em abandonar e não em deferência pelas teorias filosóficas que nos atraem.

0 leitor é exortado. portanto, ao acompanhar os pensamentos que se seguem, a suspender os seus juízos sobre as verdades finais das coisas, uma vez que, provavelmente, nem ele nem qualquer outra pessoa sabe quais são essas verdades, e a contentar-se com a apreciação dos problemas da Metafísica. este é o primeiro e sempre o mais difícil passo. 0 resto da verdade, se alguma vez tiver a boa fortuna de receber uma parte dela, chegar-lhe-á do seu próprio íntimo, se acaso chegar, e não da leitura de livros.

0 ensaio que se segue constitui uma introdução - literalmente, um "encaminhamento à" Metafísica. Não é uma análise das concepções predominantes, e o leitor buscará em vão os nomes dos grandes pensadores ou o resumo das opiniões que eles defenderam. Os problemas metafísicos vão sendo trazidos à tona, e o leitor é simplesmente convidado a pensar neles de acordo com as diretrizes sugeridas. É por essa razão que, ao desenvolver os problemas mais estreitamente associados com o eu ou pessoa e seus poderes, particularmente nos primeiros três capítulos, a estilisticamente discutível primeira pessoa do singular, "Eu'', é empregada com freqüência, à maneira das Meditações de Descartes. 0 leitor compreenderá que as idéias dessa forma apresentadas têm por intuito significar as suas próprias e não quaisquer reflexões autobiográficas do autor.

Sobre a Dialética

DIALÉTICA


Dialética: gr. s.f. 1. Arte do diálogo para atingir a verdade. 2. Desenvolvimento do pensamento por tese, antítese e síntese. 3. Método de análise que procura evidenciar as contradições da realidade social e resolvê-las no curso do desenvolvimento histórico.
Lao Tsé, autor do livro Tao tö King (o livro do Tao), 7 séculos a.C., "autor" da dialética.
Heráclito de Éfeso. Para ele a realidade é um constante devir. Prevalece a luta dos opostos: frio/calor, vida/morte, bem/mal... não é possível banhar-se duas vezes no mesmo rio, pois nem o rio já é o mesmo e nem nós também somos os mesmos.
Parménedes de Eléia. Segundo ele, o movimento é uma ilusão, tudo é imutável.
Para PLATÃO a dialética é um método de ascensão ao inteligível, método de dedução racional das idéias. "O conhecimento deveria nascer desse encontro (perguntas e respostas), da reflexão coletiva, da disputa e não do isolamento" (GADOTTI, 1995, P.16)
Para ARISTÓTELES a dialética é apenas auxiliar da filosofia. Atividade crítica. Não é um método para se chegar à verdade,é apenas uma aparência da filosofia. Para ele o método dialético não conduz ao conhecimento, mas à disputa, à probabilidade, à opinião. Conseguiu conciliar os pensamentos de Heráclito e Parmênides com a teoria sobre o ato e a potência: as mudanças existem, mas são apenas atualizações de potencialidades que já preexistiam.
PLOTINO a considera uma parte da filosofia e não apenas um método. Mas o sentido "método" predominou na Idade Média, ao lado da retórica e gramática e foi considerada uma arte liberal, a maneira de discernir o verdadeiro do falso.
No início da Idade Moderna a dialética foi julgada inútil, justificando que Aristóteles já havia dito tudo sobre a lógica. A dialética limitar-se-ia ao silogismo, uma lógica das aparências. (Kant e Descartes). Em Discurso do Método, Descartes propõe regras para a análise, para atingir cada elemento do objeto estudado e a síntese ou reconstituição do conjunto.
HEGEL concebe o processo racional como um processo dialético no qual a contradição não é considerada como "ilógica", "paradoxal", mas como o verdadeiro motor do pensamento. O pensamento não é estático, mas procede por contradições superadas, da tese (afirmação) à antítese (negação) e daí à síntese (conciliação). Uma proposição (tese) não existe sem oposição a outra proposição (antítese). A primeira será modificada nesse processo de oposição e surgirá uma nova. A antítese está contida na própria tese que é, por isso, contraditória. A conciliação existente na síntese é provisória na medida em que ela própria se transforma numa nova tese.
Para HEGEL, a dialética é uma aplicação científica da conformidade às leis inerentes à natureza e ao pensamento, a via natural própria das determinações do conhecimento, e de tudo que é finito. É o momento negativo de toda realidade, aquilo que tem a possibilidade de não ser. A possibilidade de negar-se a si mesma. Hegel chega ao real, ao concreto, partindo do abstrato: a razão domina o mundo e tem por função a unificação, a conciliação, a manutenção da ordem do todo. Essa razão é dialética, pois procede por unidade e oposição dos contrários. Hegel assim retoma Heráclito.
Para MARX, a dialética não é um método apenas para se chegar à verdade, é uma concepção do ser humano, da sociedade e da relação ser humano-mundo. Tanto Marx como Hegel sustentam a tese de que o movimento se dá pela oposição dos contrários - pela contradição.
Na dialética materialista expressa em O Capital, Marx afirma que não existem fatos em si, é o próprio ser humano que figura como ser produzindo-se a si mesmo. Pela sua própria atividade, pelo modo de produção da vida material. A condição para que o Ser Humano se torne Ser Humano é o trabalho, a construção da sua história. A mediação entre ele e o mundo é a atividade material. - Mao Tsetung resume o pensamento de Marx: "a concepção materialista-dialética entende que, no estudo do desenvolvimento dum fenômeno deve partir-se do seu conteúdo interno, das suas relações com os outros fenômenos, (...), deve-se considerar o desenvolvimento dos fenômenos como sendo o seu movimento próprio, necessário, interno, encontrando-se, alias, cada fenômeno no seu movimento, em ligação e interação com outros fenômenos que o rodeiam. A causa fundamental do desenvolvimento dos fenômenos não é externa, mas interna; ela reside no contraditório do interior dos próprios fenômenos. No interior de todo fenômeno há contradições, daí o seu movimento e desenvolvimento".
MARX não nega o valor e a necessidade da subjetividade no conhecimento. O mundo é sempre uma "visão"do mundo para o Ser Humano, o mundo refletido. A dialética não é um movimento espiritual que se opera no interior do entendimento humano. Existe uma determinação recíproca entre as idéias da mente e as condições reais de sua existência "o essencial é que a análise dialética compreenda a maneira pela qual se relacionam, encadeiam-se e determinam-se reciprocamente, as condições de existência social e as distintas modalidades de consciência.
Diz HENRI LEFÈBVRE: "o método marxista insiste muito mais claramente do que as metodologias anteriores, ... a realidade a atingir pela análise, a reconstituir pela exposição (síntese), é sempre uma realidade em movimento". A dialética considera cada objeto com suas características próprias, o seu devir, as suas contradições. Não existem regras universais fixas. Ponto de vista marxista de George Politzer: A dialética focaliza as coisas e suas imagens conceituais em suas conexões, em seu encadeiamento, em sua dinâmica, em seu processo de gênese e envelhecimento", observa as coisas e os fenômenos, (...) no seu movimento contínuo, na luta de seus contrários.
Para LEFÈBVRE: "A contradição dialética é uma inclusão dos contraditórios um no outro e, ao mesmo tempo, uma exclusão ativa." O método dialético busca captar a ligação, a unidade, o movimento que engendra os contraditórios, que os opõe, que faz com que se choquem, que os quebra ou os supera.
O materialismo dialético não considera a matéria e o pensamento como princípios isolados, mas com aspectos de uma mesma natureza que é indivisível, duas formas diferentes: uma material e outra ideal; a vida social, una e indivisível se exprime em duas formas diferentes: uma material e outra ideal. O materialismo dialético considera a forma das idéias tão concretas quanto a forma da natureza. O método dialético tem duplo objetivo:
1º) como dialético, estuda as leis mais gerais do universo, leis comuns de todos os aspectos da realidade, desde a natureza física até o pensamento, passando pela natureza viva e pela sociedade.
2º) como materialismo, é uma concepção científica que pressupõe que o mundo é uma realidade material (natureza e sociedade), onde o Ser Humano está sempre presente e pode conhecê-la e transformá-la.
A dialética marxista não separa teoria (conhecimento) e prática (ação). "A teoria não é um dogma mas um guia para a ação." A questão de saber se cabe ao pensamento humano uma verdade objetiva não é uma questão teórica, mas prática. É na práxis que o Ser Humano deve demonstrar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno de seu pensamento. A Dialética é uma unidade de contrários
Com ROUSSEAU, a concepção dialética da história, oposta à concepção metafísica, da Idade Média, começa a criar forma. Para ele todas as pessoas nascem livres e só uma organização democrática da sociedade levará os indivíduos a se desenvolverem plenamente. O indivíduo é condicionado pela sociedade.
ENGELS em a A Dialética da Natureza - formulou três leis gerais da dialética, a saber:
1ª - Lei da conversão da quantidade em qualidade: significa que na natureza, as variações qualitativas podem ser obtidas somente acrescentando-se tirando-se matéria ou movimento por meio de variações quantitativas;
2ª - Lei da interpenetração dos opostos, esta é a lei da unidade e da luta dos contrários, que garante a unidade e a continuidade da mudança incessante na natureza e nos fenômenos;
3ª - Lei da negação da negação, que garante que cada síntese é a tese de uma nova antítese, reproduzindo indefinidamente o processo.
Alguns princípios gerais ou características da Dialética são hoje aceitos:
1º Tudo se relaciona (Princípio da totalidade) - a natureza se apresenta como um todo coerente, onde objetos e fenômenos são ligados entre si, condicionando-se reciprocamente. "A compreensão dialética se encontra em relação de intensa interação e conexão entre si e com o todo, mas também que o todo não pode ser petrificado na abstração situada por cima das partes, visto que o todo se cria a si mesmo, na interação das partes" (Karel Kosik, Dialética do concreto, p. 42, citado por Gadotti)
2º Tudo se transforma (princípio do movimento) Devir. A afirmação engendra a sua negação, porém a negação não prevalece como tal: tanto a afirmação como a negação são superadas e o que prevalece é uma síntese, é a negação da negação. O calor só pode ser entendido em função do frio.
3º Mudança qualitativa - dá-se pelo acúmulo de elementos quantitativos que num dado momento produzem o qualitativamente novo.
4º Unidade e luta dos contrários (Princípio da contradição) - A transformação das coisas só é possível porque, no seu próprio interior coexistem forças opostas tendendo simultaneamente à unidade e à oposição.

*
A contradição é a essencia, a lei fundamental da dialética;
*
Os elementos contraditórios coesistem numa realidade estruturada, um não podendo existir sem o outro.
*
A existência dos contrários não é um absurdo lógico, ela se funda no real.

A Dialética pode ser subdividida em "três níveis"(Mandel)
1º Dialética da Natureza - objetiva - independente da existência de projetos, de intenções ou de motivações do homem, que não age diretamente sobre a história humana;
2º A Dialética da História - Projetos humanos nas lutas das classes sociais - a realização desses projetos estão ligados a condições materiais, objetivos, pré-existentes e independentes da vontade dos homens.
3º A Dialética do Conhecimento - "que é uma dialética sujeito-objeto, o resultado de uma interação constante entre os objetos a conhecer e a ação dos sujeitos que procuram compreendê-los".
LÓGICA FORMAL E LÓGICA DIALÉTICA
(Alvaro V. Pinto) "a lógica formal é a lógica da metafísica, assim como a lógica dialética é a lógica da dialética. O princípio que as distingue fundamentalmente é a contradição. A lógica dialética parte do princípio (ou lei) da contradição, a lógica formal parte do seu oposto, da lei da não contradição". Para a primeiraos objetos e fenômenos estão em constante movimento e para a segunda, os objetos e fenômenos estão estáticos.
DIALÉTICA: REGRAS PRÁTICAS

1.
Dirigir-se à própria coisa - análise objetiva;
2.
Apreender o conjunto das conexões internas da coisa, de seus aspectos; o desenvolvimento e o movimento (devir) da coisa.
3.
Apreender os aspectos e movimentos contraditórios, a coisa como totalidade e unidade dos contrários
4.
Analisar a luta, o conflito interno das contradições, o movimento, a tendência (o que tende a ser e o que tende a cair no nada)
5.
Não esquecer: tudo está ligado a tudo; - uma interação insignificante, negligenciável num momento pode tornar-se essencial e importante em outro.
6.
Não esquecer também de captar as transições dos aspectos e contradições; passagens de uns nos outros, transições no devir.
7.
Não esquecer ainda que o processo de aprofundamento do conhecimento que vai do fenômeno à essência e da essência menos profunda à mais profunda é infinito. Jamais estar satisfeito com o obtido.
8.
Penetrar mais fundo do que a simples coexistência observada. Penetrar sempre mais profundamente na riquesa do conteúdo, apreendendo conexões e movimento.
9.
Em certas fases do próprio pensamento, este deverá transformar-se, superar-se: modificar ou rejeitar sua forma, remanejar seu conteúdo - retomar seus momentos superados, revê-los, repeli-los, mas apenas aparentemente, com o objetivo de aprofundá-los mediante um passo atrás rumo às suas etapas anteriores e, por vezes, até mesmo rumo ao seu ponto de partida, etc.(op.cit. p.33) transcrevendo Lefebvrè "Logica formal, lógica dialética

DIALÁTICA E VERDADE:
Que garantias pode nos dar a dialética de que estamos no caminho certo para a verdade?
Marx afirma: "A dialética mistificada tornou-se moda na Alemanha, porque parecia sublimar a situação existente. Mas, na sua forma racional, causa escândalo e horror à burguesia e aos porta-vozes de sua doutrina, porque sua concepção do existente, afirmando-o, encerra, ao mesmo tempo, o reconhecimento da negação e da necessária destruição dele; porque apreende, de acordo com seu caráter transitório, as formas em que se configura o devir; porque enfim, por nada se deixa impor, e é na sua essência, crítica e revolucionária. (O Capital vol. I p. 17)
A dialética é também uma teoria engajada. Ao contrário da metafísica, é questionadora, contestadora. Exige constantemente o reexame da teoria e a crítica da prática. Não existe nenhum critério de relevância (nem científico, social, teórico, nem prático) que possa determinar que um ponto de vista é relativamente mais válido que outro. O professor pensador de sua práxis, deverá manter uma crítica e uma autocrítica constante, uma dúvida levada à suspeita, e a humildade de que fala PAULO FREIRE, para reconhecer cotidianamente as limitações do pensamento e da teoria.
Concluindo, a dialética opõe-se ao dogmatismo, ao reducionismo, portanto, é sempre aberta, inacabada, superando-se constantemente.

Você é um dialético? Thiago Maia

Você é um dialético? Thiago Maia

De começo, todos somos dialéticos, pois a consciência individual é formada a partir de um processo dialético, a saber, pela aquisição e pela confrontação de valores culturais pré-estabelecidos. Somente através da existência de um outro pode ocorrer a necessária auto-afirmação e a consequente diferenciação que nos caracteriza enquanto indíviduos em contínua formação.

No entanto, num sentido mais restrito, dialéticos são aqueles que compreendem, aceitam e sabem usar a seu favor as leis da dialética. Os dialéticos usam essas leis tanto como método para conquistar a verdade, tanto como instrumentos para mudar o mundo e a si mesmos. Poderíamos definir a Dialética como uma espécie de sistema metafísico dualista que explica a realidade a partir da luta de contrários. Porém ela é mais do que isso, ela é a própria realidade no seu desdobramento espácio-temporal. Em suma, a Dialética é uma fenomenologia.

EXEMPLOS DE DIALÉTICOS

Considerado uns dos iniciadores da dialética, Heráclito de Éfeso dizia em um dos fragmentos que restaram de sua obra que "tudo se faz por contraste; da luta dos contrários nasce a mais bela harmonia". Expressava-se de maneira contraditória, com o intuito de descrever o movimento dialético do mundo, no qual tudo é mutável e fluídico. Já Platão, discípulo de Sócrates, tentou unir a concepção heraclitiana de ser como móvel e múltiplo, com a concepção de Parmenides, que via o ser como imóvel e unificado. Estabelece-se em Platão, uma síntese dialética das idéias dos filósofos anteriores, ao afirmar que o ser é ao mesmo tempo móvel e imóvel e também que este é múltiplo e unificado. Em suma, uma concepção de ser que englobou a sua contrariedade. Plotino, uns dos principais neoplatônicos, vê a dialética como uma maneira de purificar a alma e chegar ao conhecimento das idéias eternas. Nos tempos modernos, Hegel fez de toda a história da Filosofia um movimento dialético que culminaria no seu sistema filosófico. Tese, antítese e síntese são os elementos principais do sistema idealista hegeliano. A tese é a idéia inicial, a antítese, a sua negação e a síntese decorre da resolução desta contradição numa nova idéia que englobe elementos das duas anteriores. Karl Marx, juntamente com Friedrich Engels, será o fundador de materialismo dialético, o qual inverterá o sistema idealista hegeliano, postulando que não é o pensamento que determina as condições materiais, mas as condições materiais que determinam o pensamento. Karl Marx faz da dialética um instrumento de análise e crítica social, com a finalidade não de interpretar o mundo, mas de transformá-lo. A luta de classes representaria uma constante tensão social que moveria as sociedades humanas através da história. A partir dela, Marx desenvolve uma série de conceitos, tais como ideologia, alienação, superestrutura. Somente uma sociedade sem classes, poderia ser uma sociedade justa e pacífica. Vemos uma continuação do projeto crítico nas obras dos chamados teóricos de Frankfurt, (Benjamin, Adorno, Horkheimer e Habermas) os quais utilizam as categorias marxianas na crítica da sociedade contemporânea.

CONCLUSÃO

Se você não é um dialético, torne-se um: confronte de maneira crítica e imparcial, as idéias dos filósofos anteriores e monte o seu próprio sistema filosófico. Por fim, estude e aplique as leis da dialética e será capaz de compreender ao próximo e a si mesmo.